sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Leituras da "Mensagem" (2ª Parte)

           Vale também a pena transcrever a interpretação astrológica de Paulo Cardoso fez do livro: "Fernando Pessoa dividiu a Mensagem em três corpos distintos e no segundo deles, ou seja, no corpo central, agrupou doze poemas, tantos quantos os signos de Zodíaco. Os doze signos astrológicos fazem parte de um todo. Cada um deles não é - e Fernando Pessoa sabia-o - uma reunião arbitrária de determinados símbolos ou fatores da personalidade; nem sequer é casual a ordem pela qual se apresentam habitualmente. Cada um deles, embora goze de uma certa autonomia, é um passo de um percurso global que só é perfeito quando esses doze elementos se articulam entre si. Eles constituem um ciclo e funcionam como um organismo. Cada signo é resultante daquele que o antecede e a preparação do seguinte. Eles não são mais, afinal, do que a expressão das diferentes etapas da eterna metamorfose vivida pela natureza na sua trajetória, desde o princípio da Primavera - o signo de Carneiro até o final do Inverno - o signo de Peixes."
            Conforme disse Gaspar Simões, "a expressão lírica" dos "versos magistrais" da Mensagem está aberta a qualquer um leitor comum. Mas há também uma outra leitura (ocultista), explícita nos sucessivos poemas do Poema, como se deduz dos versos que encerram o livro de Fernando Pessoa:

Nevoeiro 
                                                Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
                                                Define com perfil e ser
                                                Este fulgor baço da terra
                                                Que é Portugal a entristecer - 
                                                Brilho sem luz e sem arder, 
                                                Como o que o fogo-fatuo encerra.
                                                Ninguem sabe que coisa quere.
                                                Ninguem conhece a alma que tem, 
                                                Nem o que é mal nem o que é bem.
                                                (Que ancia distante porque chora?)
                                                Tudo é incerto e derradeiro,
                                                Tudo é disperso, nada é inteiro. 
                                                Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
                                                É a Hora!

                                                                                                 Valete, Fratres
                                                (foi mantida a grafia original)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Leituras da "Mensagem" (1ª Parte)

          Tem várias leituras o poema Mensagem, dividido em 3 partes: "Brasão", "Mar Portuguez" e "O Encoberto": o livro é "uma estrutura rigorosa em termos simbólicos" - escreveu Antônio Quadros. "Sendo, porém, em verdade um poema, e um poema em que há peças de uma grande beleza, concentrada como é a expressão, tensa e simbólica, densa a significação, e, por vezes, superiormente inspirada a versificação" - adianta Gaspar Simões.
          Será a realização do "supra-Camões" anunciado por Fernando Pessoa em 1912, quando na revista A Águia publicou os vários capitúlos da Moderna Poesia Portuguesa? Inquestionavelmente, Mensagem é um livro português, lusíada e de espírito universal.
          A primeira parte tem o título significativo de "Brasão", abrindo com o subtítulo "Os campos", que englobam 2 poemas: o dos Castelos e o das Quinas. A seção II ("Os Castellos", inclui os poemas "Ulysses", "Viriato", "O Conde D. Henrique", "D. Tareja", "D. Afonso Henriques", "D. Diniz", "D. João I" e "D. Phillipa de Lencastre". A III seção intitula-se "As Quinas" e reune os versos de "D. Duarte, Rei de Portugal", "D. Fernando, Infante de Portugal", "D. Pedro, Regente de Portugal", "D. João, Infante de Portugal" e "D. Sebastião, Rei de Portugal". Por fim, "A Coroa", preenche a IV seção da Mensagem com o poema "Nunavalres Pereira" e, na V seção, vêm, "A Cabela do Grypho - O Infante D. Henrique" e "Uma Asa do Grypho - Affonso de Albuquerque".
          "Mar Portuguez" é o título geral da II parte da Mensagem, que reune 12 poemas: "O Infante", "Horizonte", "Padrão", "O Mostrengo", "Epitaphio de Bartolomeu Dias", "Os Colombos", "Occidente", "Fernão de Magalhães", "Ascenção de Vasco da Gama", "Mar Portuguez", "A Última Nau" e "Prece".
           "O Encoberto" é o título geral da III parte do livro, lendo-se na I seção ("Os Symbolos" os poemas "D. Sebastião", "O Quinto Império", "O Desejado", "As Ilhas Afortunadas", "O Encoberto". "Os Avisos" é o título que abre a II seção com as poesias "O Bandarra", "Antonio Vieira" e "Terceiro". "Os Tempos" (3ª Seção) inclui os versos "Noite", "Tormenta", "Calma", "Antemanhã" e "Nevoeiro".
           A propósito do único verdadeiro livro que publicou em vida, assinala Antônio Quadros que nele emerge o "Poeta-filósofo, o Poeta-mágico e o Poeta-alquimista": "Brasão" é a Pátria antiga em termos simbólicos; "Mar Portuguez" é a leitura mítica da expansão portuguesa e em "O Encoberto" o poeta interpreta os cinco Símbolos de Portugal: "D. Sebastião", "O Quinto Império", "O Desejado", "As Ilhas Afortunadas" e "O Encoberto". Um livro português!
          "Leituras" diversas que o biográfo e ensaísta João Gaspar Simões assim resume: "incompreendida sempre no que tem de mais puro e de mais belo - a expressão lírica dos seus versos magistrais - (a Mensagem) acabou por chegar aqueles que a não tinham querido receber no momento em que lhes fora oferecido pela candura mística do poeta." Na verdade, ainda há quem discuta hoje se o livro (ou o poema) recebeu o 1º prêmio ou não de um concurso literário, embora se conheça o regulamento, que estabelecia 2 categorias - a do livro e a do poema (classificado deste modo por ter menos de 100 páginas - que era o caso da Mensagem). Não há que estabelecer paralelos, de outro lado, entre Os Lusíadas e Mensagem, pois que diferentes foram também as "leituras" dos dois poetas. O que há de apurar é se Mensagem valeu a pena. E valeu!

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia ! 

Álvaro de Campos

terça-feira, 9 de agosto de 2011

   Alberto Caeiro    

           Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterônimos (pelo ortônimo). Após a morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos. Morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma "não-filosofia". Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer tipo de simbologia para a vida.

           Nos escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos heterônimos, Pessoa, dito "ele mesmo", assim como a Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-heterônimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase místico enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-lo ao deus Pã, e Pessoa esboça-lhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão, associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões se esclarece na explicação de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos, Pessoa escreve:

            "Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça. Caeiro teve essa força."

             Dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o único a não escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade.

             Possuía uma linguagem estética direta, concreta e simples mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu ideário resume-se no verso Há metafísica bastante em não pensar em nada. A sua obra está agrupada na coletânea Poemas Completos de Alberto Caeiro.

Heterónimos de Fernando Pessoa

Álvaro de Campos

            Entre todos os heterónimos, Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo. 
           Começa a sua tragetória como um decadentista (influenciado pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Após uma série de desilusões com a existência, assume uma veia niilista, expressa naquele que é considerado um dos poemas mais conhecidos e influentes da língua portuguesa, Tabacaria. É revoltado e crítico e faz a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical. 

Ricardo Reis

             O heterónimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simboliza a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia, e num certo bucolismo, com elementos epicuristas e estóicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra clássica, dissipurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não-cristã.
             Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte. 
               Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo desse heterónimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterónimo, sobrevivente ao criador.