O encontro com a teosofia é posterior às experiências espíritas, de que teria participado "algumas vezes, incrédulo" (segundo Gaspar Simões); "Durante os anos que vivera com a tia Anica (Ana Luísa Nogueira de Freitas) tivera a ocasião de ser industriado pela boa senhora nos segredos do espiritismo. Pelo contrário, parece que, incrédulo, quando assistia às sessões 'semi-espíritas' que por essa altura se realizavam (...), constituía um obstáculo ao bom êxito dessas sessões" - comenta o biógrafo. E há uma carta (de 24/06/1916) em que Fernando Pessoa relata à Tia Anica, carta que documenta o pensamento do então jovem de 28 anos a respeito do espiritismo:
"(...) Aí por fins de março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões semi-espíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa de noite, (...) quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa pena e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei por o fato de que tinha tido esse impulso. (...) Nessa primeira sessão comecei por a assinatura (tão bem conhecida de mim) "Manuel Gualdino da Cunha".
"(...) De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo. Mas raras vezes são 'comunicações' compreensíveis. Certas frases percebem-se. E há sobretudo uma cousa curiosíssima - uma tendência irritante para me responder a perguntas com números; assim como há a tendência para desenhar. Não são desenhos de cousas, mas de sinais cabalísticos e maçônicos, símbolos de ocultismo e cousas assim que me pertubam um pouco. (...) Devo dizer que o pretenso espírito do tio Cunha nunca mais se manifestou pela escrita (nem de outra maneira). As comunicações atuais são, por assim dizer, anônimas e sempre que pergunto 'quem é que fala?' faz-me desenhos ou escreve-me números.
"(...) Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam 'a visão astral', e também a chamada 'visão etérica'. Tudo está muito em princípio, mas não admite dúvidas. É tudo, por enquanto, imperfeito e em certos momentos só, mas neste momento não existe.(...) Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente alvoradas (?) de 'visão etérica' - em que vejo a 'aura magnética' de algumas pessoas, e sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me as mãos. (...) A 'visão astral' está muito imperfeita. (...)
"É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer que o Mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me essa existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo que vem com a aquisição destas altas faculdades é acompanhado duma misteriosa sensação de isolamento e de abandono que enche de amargura até ao fundo da alma. (...) Não sei se realmente julgará que estou doido. Creio que não. Estas cousas são anormais sim, mas não anti-naturais." (...)
Comenta o biógrafo João Gaspar Simões: "É certo que, se a fase espírita parece ter sido passageira - embora em setembro desse ano ainda confie a Cortes Rodrigues que continua a ser vítima de "fenômenos de mediunidade' -, já o mesmo não pode dizer-se da fase ocultista. Realmente o estudo da astrologia, com tudo o mais que se prende com as ciências ocultas, se já nessa altura parece familiar ao poeta da Mensagem, ir-se-á acentuando dái para o futuro."
Segundo João Gaspar Simões, Fernando Pessoa inclinou-se para os problemas transcendetes, após o derrame de sua mãe, em 1916: "Então se voltara para o espiritismo, primeiro estádio da revolução 'religiosa' que se ia operar na sua consciência. Mas a revolução não terminara ainda. O espiritismo levara-o à teosofia e da teosofia passara ao ocultismo, forma derradeira da iniciação esotérica a que se entregara." De certo modo, era "a intuição do mistério" que desde a adolescência inquietava o poeta.
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