quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Fernando Pessoa - Espírita, maçônico, teósofo, astrológo ou Rosa-Cruz?

            Há espíritas e teosofistas que o incluem entre os seus e os maçônicos também, por ele se ter manifestado contra a extinção ditatorial da Maçonaria, enquanto os rosa-cruz o julgam nas suas fileiras e os outros o catalogam como astrólogo. Haverá que respeitar, porém, a sua declaração: "Não sou maçon nem pertenço a qualquer Ordem semelhante ou diferente."
             
            Inclassificável? Fernando Pessoa foi um interessado por tudo sem ter sido militante de algo que o prendesse. Além de haver sido um "insincero verídico", conforme o definiu Adolfo Casais Monteiro: "Quando julgamos saber quem foi o homem que escreveu os versos, resta-nos sempre, inexplicado, o segredo que o possa fundir novamente com a vida que eles brotaram. E penso até que, quanto mais "fatos" conseguimos reaver, quanto mais claramente julgamos ter desvendado a teia da existência do poeta, tanto mais inviável se revela o esforço para tornar inteligível a passagem da existência para o ser, que é, na sua raíz, o essencial problema da criação poética."
           
           Evidentemente, estas palavras referem-se a Fernando Pessoa, acerca do qual salientou Casais Monteiro não ser necessária a "fé" do Poeta "para explicar uma grande parte da sua obra - nem sequer a Mensagem, cujo nacionalismo místico a situa muito próximo dos seus versos mais caracterizadamente ocultistas."
           
            Interessada no estudo do esoterismo pessoano, ao qual dedicou um livro e consagrou outros estudos, Dalila L. Pereira da Costa entende que o autor da Mensagem é, nesta obra, "o poeta da sua pátria". E questiona: "Na seriedade e na paixão de alma deste poeta, como duvidar do sentido profundo da missão que ele confiou à sua Mensagem?"

           Ao apresentar a poesia mágica, profética e espiritual de Fernando Pessoa, Pedro Teixeira da Mota não se exime de ressaltar que o poeta se filiou na traddição espiritual portuguesa de magos, videntes, discípulos e criadores: "Neste sentido se pode dizer com Fernando Pessoa e com eles: -'É a hora'."
                   
           Quer dizer, por outras palavras, que a Mensagem, por mais significativa que se revele, não é um acidente, mas um dos resultados colhidos pelo Poeta do Mistério. Na devassa do segredo é que ele realmente se empenhou, sempre na expectativa de encontrar "a chave". Ou as chaves. Ou os diferentes caminhos que poderiam conduzir ao segredo de todos os segredos.
                    
           Pedro T. da Mota, que transcreveu e publicou numerosos textos ocultistas pessoanos, comentando-os com conhecimento de causa, informa no prefácio do livro Rosea Cruz (de textos pessoanos) que no espólio do poeta português são numerosos os documentos que tratam não somente Rosea Cruz mas igualmente do Ocultismo, Franco-Maçonaria, Átrio, Subsolo, Caminho da Serpente e Ordem Templária de Portugal. E garante o investigador português que a compreensão do percurso e da obra de Fernando Pessoa, "sobretudo no seu aspecto hermético, tem ainda que ser considerada provisória face aos textos inéditos existentes no espólio e à sutileza do tema, que exige uma capacidade superior, quase diríamos, Rosa Cruz, difícil nos nossos dias."
                
       Não obstante, o investigador reuniu no mencionado livro dezenas desses textos, selecionados em 7 capítulos, incluindo uma antologia, da qual, destacamos alguns poemas que, com a devida vênia, reproduzimos pela primeira vez no Brasil: "Depuz, cheio de sombra e de cansaço," "Há cinco mestres de minha alma" e "Nunca os vi nem fallei". A maioria dos textos reunidos por Teixeira da Mota era desconhecida do público, mas outros já haviam sido comentados e parcial ou inteiramente divulgados, pois é conhecido há muito o interesse que Fernando Pessoa demonstrou pelo rosacrucianismo:
                    
          "Uma causa Infinita necessariamente produzirá um efeito infinito. Como o efeito, porém, se opõe à causa, será infinito de outra maneira"-- escreveu Fernando Pessoa. E adiantou: "O nosso universo, porém, é-nos dado como finito e temporal, pois, se o víssemos, infinito e eterno, não o poderíamos ver. O mundo externo, pois, como nós o temos e nele vivemos, não poder ser efeito de uma Causa Infinita, mas, tão somente, de uma das manifestações ou criações finitas da Causa Infinita. Temos, pois, que a Causa Infinita é a criadora da Realidade, que é infinita, e que uma Causa Finita é criadora do Universo. O Criador do Mundo não é o Criador da Realidade: em outras palavras, não é o Deus inefável, mas um Deus-homem ou Homem-Deus, análogo a nós mas a nós superior."
                    
          No seu já citado livro, Dalila Pereira da Costa destava um poema pessoano, "No Túmulo de Christian Rosencreutz" e observa que nesse tempo "só se verá sincretismo, e não uma síntese, interior e viva", como foi sempre a do poeta. E acrescenta que aquilo "que foi propriamente do poeta" se integra, "numa mesma estrutura coerente de símbolos e mitos; suas contradições sempre foram só psicológicas: crenças e descrenças, sucessivas e simultâneas, e falta de unidade anímica, que lhe impediram, numa dada época da sua vida, a plena integração: a regeneração por que ele então ansiava e lutava."
                

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Leituras da "Mensagem" (2ª Parte)

           Vale também a pena transcrever a interpretação astrológica de Paulo Cardoso fez do livro: "Fernando Pessoa dividiu a Mensagem em três corpos distintos e no segundo deles, ou seja, no corpo central, agrupou doze poemas, tantos quantos os signos de Zodíaco. Os doze signos astrológicos fazem parte de um todo. Cada um deles não é - e Fernando Pessoa sabia-o - uma reunião arbitrária de determinados símbolos ou fatores da personalidade; nem sequer é casual a ordem pela qual se apresentam habitualmente. Cada um deles, embora goze de uma certa autonomia, é um passo de um percurso global que só é perfeito quando esses doze elementos se articulam entre si. Eles constituem um ciclo e funcionam como um organismo. Cada signo é resultante daquele que o antecede e a preparação do seguinte. Eles não são mais, afinal, do que a expressão das diferentes etapas da eterna metamorfose vivida pela natureza na sua trajetória, desde o princípio da Primavera - o signo de Carneiro até o final do Inverno - o signo de Peixes."
            Conforme disse Gaspar Simões, "a expressão lírica" dos "versos magistrais" da Mensagem está aberta a qualquer um leitor comum. Mas há também uma outra leitura (ocultista), explícita nos sucessivos poemas do Poema, como se deduz dos versos que encerram o livro de Fernando Pessoa:

Nevoeiro 
                                                Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
                                                Define com perfil e ser
                                                Este fulgor baço da terra
                                                Que é Portugal a entristecer - 
                                                Brilho sem luz e sem arder, 
                                                Como o que o fogo-fatuo encerra.
                                                Ninguem sabe que coisa quere.
                                                Ninguem conhece a alma que tem, 
                                                Nem o que é mal nem o que é bem.
                                                (Que ancia distante porque chora?)
                                                Tudo é incerto e derradeiro,
                                                Tudo é disperso, nada é inteiro. 
                                                Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
                                                É a Hora!

                                                                                                 Valete, Fratres
                                                (foi mantida a grafia original)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Leituras da "Mensagem" (1ª Parte)

          Tem várias leituras o poema Mensagem, dividido em 3 partes: "Brasão", "Mar Portuguez" e "O Encoberto": o livro é "uma estrutura rigorosa em termos simbólicos" - escreveu Antônio Quadros. "Sendo, porém, em verdade um poema, e um poema em que há peças de uma grande beleza, concentrada como é a expressão, tensa e simbólica, densa a significação, e, por vezes, superiormente inspirada a versificação" - adianta Gaspar Simões.
          Será a realização do "supra-Camões" anunciado por Fernando Pessoa em 1912, quando na revista A Águia publicou os vários capitúlos da Moderna Poesia Portuguesa? Inquestionavelmente, Mensagem é um livro português, lusíada e de espírito universal.
          A primeira parte tem o título significativo de "Brasão", abrindo com o subtítulo "Os campos", que englobam 2 poemas: o dos Castelos e o das Quinas. A seção II ("Os Castellos", inclui os poemas "Ulysses", "Viriato", "O Conde D. Henrique", "D. Tareja", "D. Afonso Henriques", "D. Diniz", "D. João I" e "D. Phillipa de Lencastre". A III seção intitula-se "As Quinas" e reune os versos de "D. Duarte, Rei de Portugal", "D. Fernando, Infante de Portugal", "D. Pedro, Regente de Portugal", "D. João, Infante de Portugal" e "D. Sebastião, Rei de Portugal". Por fim, "A Coroa", preenche a IV seção da Mensagem com o poema "Nunavalres Pereira" e, na V seção, vêm, "A Cabela do Grypho - O Infante D. Henrique" e "Uma Asa do Grypho - Affonso de Albuquerque".
          "Mar Portuguez" é o título geral da II parte da Mensagem, que reune 12 poemas: "O Infante", "Horizonte", "Padrão", "O Mostrengo", "Epitaphio de Bartolomeu Dias", "Os Colombos", "Occidente", "Fernão de Magalhães", "Ascenção de Vasco da Gama", "Mar Portuguez", "A Última Nau" e "Prece".
           "O Encoberto" é o título geral da III parte do livro, lendo-se na I seção ("Os Symbolos" os poemas "D. Sebastião", "O Quinto Império", "O Desejado", "As Ilhas Afortunadas", "O Encoberto". "Os Avisos" é o título que abre a II seção com as poesias "O Bandarra", "Antonio Vieira" e "Terceiro". "Os Tempos" (3ª Seção) inclui os versos "Noite", "Tormenta", "Calma", "Antemanhã" e "Nevoeiro".
           A propósito do único verdadeiro livro que publicou em vida, assinala Antônio Quadros que nele emerge o "Poeta-filósofo, o Poeta-mágico e o Poeta-alquimista": "Brasão" é a Pátria antiga em termos simbólicos; "Mar Portuguez" é a leitura mítica da expansão portuguesa e em "O Encoberto" o poeta interpreta os cinco Símbolos de Portugal: "D. Sebastião", "O Quinto Império", "O Desejado", "As Ilhas Afortunadas" e "O Encoberto". Um livro português!
          "Leituras" diversas que o biográfo e ensaísta João Gaspar Simões assim resume: "incompreendida sempre no que tem de mais puro e de mais belo - a expressão lírica dos seus versos magistrais - (a Mensagem) acabou por chegar aqueles que a não tinham querido receber no momento em que lhes fora oferecido pela candura mística do poeta." Na verdade, ainda há quem discuta hoje se o livro (ou o poema) recebeu o 1º prêmio ou não de um concurso literário, embora se conheça o regulamento, que estabelecia 2 categorias - a do livro e a do poema (classificado deste modo por ter menos de 100 páginas - que era o caso da Mensagem). Não há que estabelecer paralelos, de outro lado, entre Os Lusíadas e Mensagem, pois que diferentes foram também as "leituras" dos dois poetas. O que há de apurar é se Mensagem valeu a pena. E valeu!

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia ! 

Álvaro de Campos

terça-feira, 9 de agosto de 2011

   Alberto Caeiro    

           Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterônimos (pelo ortônimo). Após a morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos. Morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma "não-filosofia". Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer tipo de simbologia para a vida.

           Nos escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos heterônimos, Pessoa, dito "ele mesmo", assim como a Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-heterônimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase místico enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-lo ao deus Pã, e Pessoa esboça-lhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão, associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões se esclarece na explicação de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos, Pessoa escreve:

            "Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça. Caeiro teve essa força."

             Dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o único a não escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade.

             Possuía uma linguagem estética direta, concreta e simples mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu ideário resume-se no verso Há metafísica bastante em não pensar em nada. A sua obra está agrupada na coletânea Poemas Completos de Alberto Caeiro.

Heterónimos de Fernando Pessoa

Álvaro de Campos

            Entre todos os heterónimos, Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo. 
           Começa a sua tragetória como um decadentista (influenciado pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Após uma série de desilusões com a existência, assume uma veia niilista, expressa naquele que é considerado um dos poemas mais conhecidos e influentes da língua portuguesa, Tabacaria. É revoltado e crítico e faz a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical. 

Ricardo Reis

             O heterónimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simboliza a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia, e num certo bucolismo, com elementos epicuristas e estóicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra clássica, dissipurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não-cristã.
             Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte. 
               Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo desse heterónimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterónimo, sobrevivente ao criador.

sábado, 9 de abril de 2011

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.
É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".
Por ter crescido na África do Sul, para onde foi aos sete anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu a língua inglesa. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma.
Ao longo da vida trabalhou em várias firmas como correspondente comercial. Foi também empresário, editor, crítico literário, activista político, tradutor, jornalista, inventor, publicitário e publicista, ao mesmo tempo que produzia a sua obra liter. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objecto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".
Fernando Pessoa morreu de cirrose hepática aos 47 anos, na cidade onde nasceu. Sua última frase foi escrita em Inglês: "I know not what tomorrow will bring… " ("Não sei o que o amanhã trará").

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Astrologia segundo Pessoa






           Segundo Gaspar Simões, o poeta da Mensagem chegou a admitir a hipótese de se dedicar, profissionalmente, à astrologia - "ciência que cultivou com proficiência" e que talvez lhe tivesse permitido ganhar mais do que como tradutor, condição em que subsistiu.
               Paulo Cardoso, astrólogo e pintor, vai mas longe ao esclarecer que no espólio literário de Fernando Pessoa há cálculos e notas astrológicas desde 1908, observando que a astrologia foi, desde cedo, "a fórmula que respondia assiduamente às dúvidas que se lhe colocavam acerca da sua sincronia com a vida, ou com o mundo: no espólio existem variadíssimos cálculos astrológicos relativos às diferentes áreas da existência - dinheiro, afetividade, etc.- feitos muitos deles em diversos momentos do mesmo dia." E acrescenta Paulo Cardoso, no estudo Mar Portuguez / a mensagem astrológica da Mensagem: "A importância da presença capital da astrologia na vida de Fernando Pessoa vai sem dúvida dirigir-se ao mundo da heteronímia. Aqui, ela, a astrologia, será o suporte técnico indispensável, a estrutura básica onde assentará o edifício - pirâmide de quatro lados - que o irá albergar conjuntamente com os seus 'companheiros de espírito'. A astrologia funcionará como filosofia essencial de apoio ao rigoroso projeto de arquitetura heteronímica que lhe permitirá descrever com profundidade, minúcia e exatidão, tanto a vida como personalidade e, inclusivamente, o aspecto físico de cada um dos seus três heterônimos."

              Não apenas três, mas muitos mais - a pesquisadora e ensaísta Teresa Rita Lopes já identificou, documentalmente, cerca de 70. E precisamente um deles é astrológo, apesar de pouco conhecido, "Raphael Baldaya", que seria provavelmente "o chefe" do escritório astrológico projeto, mas que não chegou a funcionar, onde se propunha desenvolver três modelos horoscópicos, ao que se deduz de uma circular publicitária:
                1 - "Horóscopo de experiência: 500 réis. (Breve resumo e ligeiras considerações sobre o teor gerla da vida.)
                   2 - "Horóspoco completo, contendo uma leitura detalhada da vida e da sorte: 2.500 réis.
                   3 - "Horóscopo detalhado: 5.000 réis."

                Além dos dois volumes já publicados sobre o Mar Portuguez de Fernando Pessoa (um em torno de "a mensagem astrológica da Mensagem", e o outro, abordando "a simbólica da Torre de Belém"), Paulo Cardoso projeta a organização de mais 3 volumes. Até lá, vários textos, assinados ou não por Raphael Baldaya, foram já divulgados, salientando-se do Tratado de Astrologia e seguinte definição pessoana: "O horóspoco não relata o que há antes do nascimento, nem o que há depois da morte, embora se possa admitir que aspectos (direções) em retrocesso, e em sucessão da morte, possam indicar certos fenômenos externos relativos à vida, por assim dizer pré-natal e pós-mortal do indivíduo. Isto, porém, é duvidoso." Etc.

                Anota-se que os vários biógrafos de Fernando Pessoa nunca aprofundaram os textos astrológicos do escritor-candidato a astrólogo nem tão pouco os interpretaram, limitando-se quase sempre a enunciá-los por alto. Paulo Cardoso, é uma das raras excepções e, após os dois já citados livros, aguarda-se que a publicação dos outros 3 já anunciados (mapas astrais e outros textos) venha a contribuir para o esclarecimenteo seguro do ocultismo que o poeta da Mensagem desenvolveu através da astrologia, que "é a arte da relação, a inter-relação, da interação", visto que "procura a unidade, promove o encontro harmônico entre o homem no seu todo, e deste com o Universo" - explica Paulo Cardoso. 

               É que segundo o estudioso da astrologia pessoana foi graças à Astrologia que Fernando Pessoa achou a ferramenta que buscava e que lhe deu (ao Poeta) "a possibilidade de elaborar um mais bem determinado percurso interior, uma criação mais orientada da sua Obra, e uma mais perfeita arquitetura para a realização da sua missão."

              
           

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Fernando Pessoa e a Maçonaria

            Na autobiografia que redigiu com data de 30/3/1935 e que veio a ser publicada como introdução ao poema À memória do Presidente-Rei Sidônio Pais, em 1940, declarava-se "liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reacionário", bem como a favor da Monarquia (mas considerava o sistema "inviável" em Portugal, no tempo, pelo que na hipótese de um plebiscito votaria a favor da República). Confessava-se ainda "cristão gnóstico", mas oposto às Igrejas organizadas: "Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria." Deixava em branco as informações sobre a sua "posição iniciática" e, politicamente, declarava-se "nacionalista que se guia por este lema: 'Tudo pela humanidade, nada contra a nação'." A posição social era a de "anti-comunista e anti-socialista", resumindo em três linhas todas as posições enunciadas: "Ter sempre em memória o mártir Jacques de Molay, Grã-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania."

            Somente em 1985, na exposição "Fernando Pessoa - O Último Ano", realizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, foram divulgadas as 3 linhas da "poisção iniciática": "Iniciado, por comunicação direta de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal".

            Mas de que iniciação se trata? No artigo que publicou no Diário de Lisboa 4/12/1935 sobre as associações secretas, visando em particular a Maçonaria, cujas atividades foram proibidas pelo governo de Oliveira Salazar, afirmava Fernando Pessoa: "(...) Não sou maçom, nem pertenço a qualquer ordem Ordem semelhante ou diferente. Não sou porém anti-maçom, pois o que sei do assunto me leva a ter uma idéia absolutamente favorável da Ordem Maçônica. A estas duas circunstâncias, que de certo modo me habilitam a poder ser imparcial na matéria, acresce a de que, por virtude de certos estudos meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria - parte que nada tem de político ou social -, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto - assunto muito belo, mas muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora."

            Prosseguindo, esclarecia o estudioso dos problemas do Ocultismo: "A Ordem Maçônica é secreta por uma razão indireta e derivada - a mesma razão por que eram secretos os Mistérios antigos, incluindo os dos cristãos, que se reuniam em segredo, para louvar a Deus, em o que hoje também se chamariam Lojas ou Capítulos, e que, para se distinguir dos profanos, tinham fórmulas de reconhecimento - toque, ou palavras de passe, ou o que quer que fosse. Por esse motivo os romanos lhes chamavam ateus, inimigos da sociedade e inimigos do Império - precisamente os mesmos termos com que hoje os maçons são brindados pelos sequazes da Igreja Romana, filha, talvez ilegítima, daquela maçonaria remota."

             Este artigo provocou uma série de comentários na imprensa portuguesa da época, além de dois opúsculos, um deles por inciativa do Grêmio Lusitano de Lisboa (maçônica), enquanto o outro suprime algumas passagens do artigo inicial e acrescenta outros comentários, não assinados.

Prefácio de A Voz do Silêncio de Helena Blavatsky com tradução de Fernando Pessoa, Editora Ground

            Fernando Pessoa é, por excelência, o poeta do transcendentalismo. Sua poesia pode ser igualada à de William Blake. É densa, atingindo zonas do inconsciente, só reveladas aos místicos, aos profetas. Essa gradativa abertura de consciência, a camada cada vez mais profunda do Ser, transformou-o numa verdadeira ilha na língua portuguesa. Sucessivos estudos foram feitos sobre sua personalidade polimórfica. Mas, para se entender a essência de sua obra, temos de examiná-la sob o ângulo do Ocultismo. Fernando Pessoa dominava enorme série de conhecimentos que os homens, ditos educados, repudiam como sinal de ignorância e superstição. Como Gustav Jung, era um pesquisador do oculto. Um Mestre no que dizia respeito a Alquimia, Astrologia, Rosa-Crucianismo, Kabala, Maçonaria, Magia, etc. Sentia-se atraído por elas como por um abismo...

                                                                                                                     Murilo Nunes de Azevedo

                                          

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Fernando Pessoa, do espiritismo à Teosofia

           O encontro com a teosofia é posterior às experiências espíritas, de que teria participado "algumas vezes, incrédulo" (segundo Gaspar Simões); "Durante os anos que vivera com a tia Anica (Ana Luísa Nogueira de Freitas) tivera a ocasião de ser industriado pela boa senhora nos segredos do espiritismo. Pelo contrário, parece que, incrédulo, quando assistia às sessões 'semi-espíritas' que por essa altura se realizavam (...), constituía um obstáculo ao bom êxito dessas sessões" - comenta o biógrafo. E há uma carta (de 24/06/1916) em que Fernando Pessoa relata à Tia Anica, carta que documenta o pensamento do então jovem de 28 anos a respeito do espiritismo: 
           
           "(...) Aí por fins de março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões semi-espíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa de noite, (...) quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa pena e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei por o fato de que tinha tido esse impulso. (...) Nessa primeira sessão comecei por a assinatura (tão bem conhecida de mim) "Manuel Gualdino da Cunha".

           "(...) De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo. Mas raras vezes são 'comunicações' compreensíveis. Certas frases percebem-se. E há sobretudo uma cousa curiosíssima - uma tendência irritante para me responder a perguntas com números; assim como há a tendência para desenhar. Não são desenhos de cousas, mas de sinais cabalísticos e maçônicos, símbolos de ocultismo e cousas assim que me pertubam um pouco. (...) Devo dizer que o pretenso espírito do tio Cunha nunca mais se manifestou pela escrita (nem de outra maneira). As comunicações atuais são, por assim dizer, anônimas e sempre que pergunto 'quem é que fala?' faz-me desenhos ou escreve-me números.

            "(...) Guardo, porém, para  o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam 'a visão astral', e também a chamada 'visão etérica'. Tudo está muito em princípio, mas não admite dúvidas. É tudo, por enquanto, imperfeito e em certos momentos só, mas neste momento não existe.(...) Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente alvoradas (?) de 'visão etérica' - em que vejo a 'aura magnética' de algumas pessoas, e sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me as mãos. (...) A 'visão astral' está muito imperfeita. (...)

               "É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer que o Mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me essa existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo que vem com a aquisição destas altas faculdades é acompanhado duma misteriosa sensação de isolamento e de abandono que enche de amargura até ao fundo da alma. (...) Não sei se realmente julgará que estou doido. Creio que não. Estas cousas são anormais sim, mas não anti-naturais." (...)

               Comenta o biógrafo João Gaspar Simões: "É certo que, se a fase espírita parece ter sido passageira - embora em setembro desse ano ainda confie a Cortes Rodrigues  que continua a ser vítima de "fenômenos de mediunidade' -, já o mesmo não pode dizer-se da fase ocultista. Realmente o estudo da astrologia, com tudo o mais que se prende com as ciências ocultas, se já nessa altura parece familiar ao poeta da Mensagem, ir-se-á acentuando dái para o futuro."

                Segundo João Gaspar Simões, Fernando Pessoa inclinou-se para os problemas transcendetes, após o derrame de sua mãe, em 1916: "Então se voltara para o espiritismo, primeiro estádio da revolução 'religiosa' que se ia operar na sua consciência. Mas a revolução não terminara ainda. O espiritismo levara-o à teosofia e da teosofia passara ao ocultismo, forma derradeira da iniciação esotérica a que se entregara." De certo modo, era "a intuição do mistério" que desde a adolescência inquietava o poeta.

Fernando Pessoa, Poeta do Mistério

João Alves das Neves
 
...Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em diversos graus de espiritualidade, subutilizando-se até se chegara um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não...

                Assim explicava Fernando Pessoa - O Poeta do Mistério - o que entendia por Ocultismo, em carta de 14 de Janeiro de 1935 a Adolfo Casais Monteiro. Trata-se da curiosíssima carta sobre a gênese dos heterônimos (à qual outra se seguiu), mensagem que se situa muito para além da heteronímia.
               
               Tudo parece simples a partir do Credo na existência dos mundos superiores. No entanto, há que entender, desde já, à definição de vários passos ocultistas do poeta da Mensagem, considerando que são múltiplos os degraus que transmitem as mensagens. Não-espírita. Não-maçônico. Não simplesmente astrólogo. Não apenas Rosa-Cruz. Não. Tudo isso e muito mais. Desde sempre no percurso de 13 de junho de 1888 a 30 de novembro de 1935.
               
                Num estranhíssimo livro, A invasão dos Judeus, impresso em Lisboa no mês de Janeiro de 1935, o amigo do Poeta, Mário Saa (não confundir com Mário de Sá-Carneiro), biografou em cerca de 4 páginas o inventor dos heterônimos, começando por apontá-lo como "futurista e judeu", lembrando que o seu quinto avô, Sancho Pessoa, fôra "astrólogo, ocultista e psalmista" e que, preso pela Inquisição, esse antepassado tinha sido "condenado a confisco, por judeu militante, em 1706". Do lado paterno, não há que negar as origens, embora o Pai do Poeta não seguisse o culto judaico, enquanto a Mãe pertencia aos chamados cristãos-velhos, o que explicaria ter dado ao filho o nome de Fernando Antonio, em homenagem ao Santo Antonio de Lisboa (que morreu em Pádua), já que o santo e doutor da Igreja foi Fernando na vida laica a Antonio na religiosa.


                De qualquer modo, a biografia de Mário Saa contém curiosas informações, não somente por se tratar de provável primeira informação "ocultista" sobre o Poeta, mas também por haver sido redigida por um amigo que o conhecia bem de perto e publicada em vida do escritor plural. Traçando o perfil de Fernando Pessoa, dizia Mário Saa: "Nós o vemos fisionomicamente hebreu, com tendências astrológicas e ocultistas. (...) Lança-se e oculta-se; esconde-se e prepara novos lances; é um verdadeiro furta-fogo! Tudo isto se revela pelos seus numerosos pseudônimos - pelos que tem, e pelos que há de vir a ter, e... pelos que não se sabe que tem!..."


                 Prossegue o biógrafo com outros esclarecimentos que revelam estar bem ao par de certos mistérios do criador da heteronímia: "Além do seu verdadeiro nome, Fernando Pessoa, é ele Álvaro de Campos, (autor dum ultimatum que começa assim: 'Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora!), Alberto Caeiro, Ricardo Reis, etc. Isto só, verdadeiramente podia lembrar a um indivíduo duma raça oculta, tal a judaica ou a chinesa, que são as que mais contribuem para as associações secretas, para a franco-maçonaria, por exemplo; são chamadas as raças femininas, por excelência. Ora esta multiplicidade de pseudônimos, a que ele chama multiplicidade de personalidades, é apenas, a mesma personalidade em diversas temperaturas". Etc. Etc.


                 Mário Saa, que foi poeta e ensaísta, tendo deixado largos traços nalguns caminhos ocultistas, analisa outros aspectos da obra pessoana então em florescimento por várias publicações literárias e cita a respeito Guillaume Apollinaire, assinalando que no francês e no português se encontram "bons exemplos de literatura idiche", admitindo, a propósito de Pessoa: "Contudo, ele assevera que, apesar de descendente de judeus, ele, individualmente, o não é!". Por fim, considera: "Fernando Pessoa, um dos poetas maiores da sua raça, é um inventivo e um expressionista analítico."