segunda-feira, 4 de abril de 2011

Fernando Pessoa, Poeta do Mistério

João Alves das Neves
 
...Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em diversos graus de espiritualidade, subutilizando-se até se chegara um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não...

                Assim explicava Fernando Pessoa - O Poeta do Mistério - o que entendia por Ocultismo, em carta de 14 de Janeiro de 1935 a Adolfo Casais Monteiro. Trata-se da curiosíssima carta sobre a gênese dos heterônimos (à qual outra se seguiu), mensagem que se situa muito para além da heteronímia.
               
               Tudo parece simples a partir do Credo na existência dos mundos superiores. No entanto, há que entender, desde já, à definição de vários passos ocultistas do poeta da Mensagem, considerando que são múltiplos os degraus que transmitem as mensagens. Não-espírita. Não-maçônico. Não simplesmente astrólogo. Não apenas Rosa-Cruz. Não. Tudo isso e muito mais. Desde sempre no percurso de 13 de junho de 1888 a 30 de novembro de 1935.
               
                Num estranhíssimo livro, A invasão dos Judeus, impresso em Lisboa no mês de Janeiro de 1935, o amigo do Poeta, Mário Saa (não confundir com Mário de Sá-Carneiro), biografou em cerca de 4 páginas o inventor dos heterônimos, começando por apontá-lo como "futurista e judeu", lembrando que o seu quinto avô, Sancho Pessoa, fôra "astrólogo, ocultista e psalmista" e que, preso pela Inquisição, esse antepassado tinha sido "condenado a confisco, por judeu militante, em 1706". Do lado paterno, não há que negar as origens, embora o Pai do Poeta não seguisse o culto judaico, enquanto a Mãe pertencia aos chamados cristãos-velhos, o que explicaria ter dado ao filho o nome de Fernando Antonio, em homenagem ao Santo Antonio de Lisboa (que morreu em Pádua), já que o santo e doutor da Igreja foi Fernando na vida laica a Antonio na religiosa.


                De qualquer modo, a biografia de Mário Saa contém curiosas informações, não somente por se tratar de provável primeira informação "ocultista" sobre o Poeta, mas também por haver sido redigida por um amigo que o conhecia bem de perto e publicada em vida do escritor plural. Traçando o perfil de Fernando Pessoa, dizia Mário Saa: "Nós o vemos fisionomicamente hebreu, com tendências astrológicas e ocultistas. (...) Lança-se e oculta-se; esconde-se e prepara novos lances; é um verdadeiro furta-fogo! Tudo isto se revela pelos seus numerosos pseudônimos - pelos que tem, e pelos que há de vir a ter, e... pelos que não se sabe que tem!..."


                 Prossegue o biógrafo com outros esclarecimentos que revelam estar bem ao par de certos mistérios do criador da heteronímia: "Além do seu verdadeiro nome, Fernando Pessoa, é ele Álvaro de Campos, (autor dum ultimatum que começa assim: 'Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora!), Alberto Caeiro, Ricardo Reis, etc. Isto só, verdadeiramente podia lembrar a um indivíduo duma raça oculta, tal a judaica ou a chinesa, que são as que mais contribuem para as associações secretas, para a franco-maçonaria, por exemplo; são chamadas as raças femininas, por excelência. Ora esta multiplicidade de pseudônimos, a que ele chama multiplicidade de personalidades, é apenas, a mesma personalidade em diversas temperaturas". Etc. Etc.


                 Mário Saa, que foi poeta e ensaísta, tendo deixado largos traços nalguns caminhos ocultistas, analisa outros aspectos da obra pessoana então em florescimento por várias publicações literárias e cita a respeito Guillaume Apollinaire, assinalando que no francês e no português se encontram "bons exemplos de literatura idiche", admitindo, a propósito de Pessoa: "Contudo, ele assevera que, apesar de descendente de judeus, ele, individualmente, o não é!". Por fim, considera: "Fernando Pessoa, um dos poetas maiores da sua raça, é um inventivo e um expressionista analítico."

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